Ei, assobia pro coro, James Gunn

Tá, tá, eu sei. Estou atrasadíssimo de só ver The Suicide Squad (2021) agora.

Em minha defesa, vamos combinar: filme/série da DC é tipo roleta russa… com quatro balas na câmara em vez de apenas uma. Para ser justo, ultimamente filme/série da Marvel também não anda essas nuka-colas todas, mas pelo menos de vez em quando lá ainda sai um WandaVision (e, espero, Cavaleiro da Lua). Qual foi a última coisa da DC nesse nível?

Eu só esqueci uma coisa importantíssima: o filme é do James Gunn. O cara que fez Lollipop Chainsaw, o jogo, e os dois Guardiões da Galáxia, que num mundo normal já teriam roubado todo o espaço de Star Wars faz tempo.

Bom, eu tenho outra desculpa também… Só agora eu parei de resistir à pulverização de serviços de streaming e assinei o HBO Max. Chegou num ponto em que o serviço tinha muita, muita coisa que eu queria reassistir, desde algumas das melhores séries já feitas como Carnivàle e A Sete Palmos até filmes inesquecíveis como V de Vingança e a trilogia do Cavaleiro das Trevas do Nolan. Aliás, a melhor coisa feita com o nome “DC” nas telinhas e telonas até hoje, é claro. (E eu acabei de responder à minha própria pergunta retórica acima, que coisa.)

Voltando a James Gunn, eu também já deveria saber que o filme teria muita música, e das melhores. Pois bem… Por que diabos eu não li/vi/ouvi ninguém mencionar a evidente mudança de rota que ele tomou nesse lado? Que, em vez de clássicos pop e rock das décadas 70 e 80, Gunn partiria para uma bela seleção de sons alternativos de décadas variadas, incluindo coisas relativamente recentes e meio inesperadas?

Em outras palavras, e perdoem-me pelo leve spoiler… POR QUE CARALHOS NINGUÉM ME AVISOU QUE TINHA UMA MONTAGEM DA HARLEY QUINN AO SOM DE THE FRATELLIS?

Pooourra. Eu não ouvia essa tem um tempão. E nunca, jamais, nunquinha eu imaginaria que a ouviria de novo associada à fuckin’ Arlequina. Bom, ela é uma crazy silly girl e just irresistible, I guess.

Uma das coisas mais legais dessa escolha é o quanto foge do óbvio. The Fratellis é o tipo de banda que meio que existe em um limbo. Já tiveram duas músicas entre as mais tocadas no Reino Unido – essa acima e o excelente cancã-rock “Chelsea Dagger”, que escuto regularmente até hoje – mas nunca passaram disso, e essas canções foram lançadas já faz mais de 15 anos. Eles nunca ficaram famosos como um Blur ou Oasis e, assim, não tocam nem nas nossas rádios pop-rock, nem nas festas alternativas por aí. “Normais” demais pro underground e pro mainstream ao mesmo tempo.

Essa é a cara de Gunn, o desenterrador de pérolas: pegar músicas que até podem ter tido sucesso em uma época e lugar, mas estavam meio esquecidas apesar de serem fantásticas. Foi assim com “Brandy (You’re A Fine Girl)” no segundo filme dos Guardiões e ele fez de novo com os Fratellis. “Whistle For The Choir” pode ser uma simples balada de violão, mas anda na mesma fina linha entre algo imediatamente “assobiável” e bonito sem ser chiclete ou “formulaico” demais. Tem uma boa produção, a melodia “pega” de primeira sem ser tatibitate, a métrica é perfeita, a música usa o velho truque bacana de mudar a letra do refrão na segunda vez… Enfim, tudo nela funciona. É o que toda canção pop de sucesso deveria ser.

E quando eu achei que Gunn já tinha feito seu papel com essa e tudo que fora tocado no filme até aquele momento… De repente, do nada… Maestro Zezinho, sete notas de baixo:

Ah, féla da puta. Para piorar, o baixo entrou sozinho e baixinho no meio de uma cena, com a música já pela metade, como se fosse só pontuar de leve um momento… E eu fiquei tipo um minuto viajando e pensando “não, ele não faria isso. Ele tá aprontando alguma. Eu sei que tá. Quem conhece ‘Hey’ jamais a trataria apenas como som de fundo…” E, óbvio, ele estava. Os duplos vocais “we’re chained” ganharam um completo novo sentido quando a música finalmente “subiu”.

Essa foi uma escolha um pouco mais “acadêmica”, por assim dizer. Se você está fazendo uma compilação de rock alternativo/indie de diversas épocas, Pixies é tão fundamental quanto escolher Mozart como representante da música clássica, James Brown da black music, Luiz Gonzaga do forró, Kraftwerk do eletrônico… Bom, vocês entenderam. Ainda por cima, “Hey” é uma das músicas mais marcantes do melhor álbum deles, Doolittle, até hoje consistentemente escolhido como um dos mais importantes álbuns de rock de todos os tempos. Podem pesquisar, qualquer lista tem ele.

Não é à toa. Começa que é de um tempo em que álbuns ainda eram feitos meticulosamente para serem uma obra, ouvida do início até o fim em ordem. Eu sei bem, já que eu desgastei meu vinil dele de tanto ouvir. Sério mesmo. Não estou falando de arranhar – eu cuidava bem demais dos meus queridos – e sim do vinil afinar e perder fidelidade sonora de tanto que a agulha percorreu cada sulco do disco ao longo de meses. (Sim, eu disse meses, não anos. E incidentalmente, é por isso que eu nunca me importei tanto com a perda sutil de qualidade sonora dos CDs. Pelo menos eles não se desfazem de tanto ouvir…)

Mesmo assim, Gunn ainda é esperto de usar Pixies. Bem ou mal, os discos clássicos deles já têm mais de 30 anos. A última aparição memorável da banda no cinema foi em Clube da Lutaquem esquece do final com “Where Is My Mind?” – e isso já faz mais de 20 anos. (Incidentalmente 2: eu vi o filme de novo recentemente e só ficou melhor com o tempo. Pena que a associação dele com a canção foi tão genial que ela reapareceria depois em diversos filmes e séries em geral esquecíveis, virando um clichê temático-sonoro preguiçoso que só escancara a falta de criatividade atual de Hollywood. Lógico que James Gunn iria então de “Hey” em uma associação completamente inesperada…)

Ah, vocês querem saber o que eu achei de The Suicide Squad, o filme em si? Bom, deixa ele maturar na minha cabeça um pouquinho. Eu só tinha que deixar claro (a) o quanto é bom ver James Gunn na direção de um filme de novo e (b) ouvir música boa em filme, sem apelações malas – ou pior, covers chochas de cantorazinha de segunda linha no piano e/ou no violão (sério, alguma vez esse tipo de coisa foi boa?).

Em tempo: quando tinha 20 anos, talvez até o começo dos 30, eu ainda achava que as preferências culturais das pessoas indicavam caráter (linha Rob Fleming mesmo). Depois a experiência de vida sugeriu que talvez não fosse bem assim… Até chegar quase aos cinquenta e finalmente entender que meu eu jovem não estava totalmente errado: não é uma questão de caráter, e sim personalidade. Gente sem graça gosta de coisas sem graça e faz obras sem graça, simples assim. Foi mal aí.

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